

“Toda forma de vício é ruim, não importa que seja droga, álcool ou idealismo.” – Carl G. Jung.
Hoje, no ocidente, muitas pessoas estão sentindo um vazio interior, que não pode ser satisfeito por compras materiais, ou qualquer forma de badalação. Por isso, mas também por questões de saúde e equilíbrio mental, os ocidentais têm, cada vez mais, buscado uma solução nas filosofias e religiões orientais. Baseadas em uma vida mais simples, de interiorização, ao contrário do ocidente, que é quase exclusivamente exteriorização, essas filosofias acabam por trazer algo, ou preencher de alguma forma, aquele fazio existencial.
O budismo, uma das principais linhas orientais que estão prosperando no ocidente, tem uma explicação milenar para essa sensação de vazio. O conhecimento budista nos diz que toda forma de sofrimento vem do apego, ou seja, da necessidade que sentimos de ter, ou ser. Elimando-se o apego, elimina-se o sofrimento. Para eliminar-se o apego, usam-se práticas ostencivas de meditação, bem como uma reeducação ativa de hábitos, que visa estabelecer novos padrões e conceitos. Nessas práticas esbarra-se, cedo ou tarde, num ponto crucial: o ego. Quando, em nossas meditações, nos perguntamos “Quem está sentindo isso? Quem está desejando insso?”, é ao ego que desejamos chegar.
Segundo o budismo, e boa parte das filosofias ou religiões orientais, o ego é falacioso, ilusório, e intrinsicamente impermanente, ou seja, nunca é o mesmo, está em constante transformação. Essas são características fundamentais do ego, mas o que nos importa de fato é, de onde ele vem? O que é o ego, e como transcende-lo? Por transcende-lo entenda-se, não eliminá-lo, mas ir além dele, não estar limitado a ele. Essa questão é de fundamental importância, se concordamos que o sofrimento vem do apego, e que o apego tem conexão direta com o ego.
Para entender-mos o que é o ego e de onde ele vem, vou reportar-me a James Redfield, autor de “A profecia celestina”. Em seu livro, Redfield nos conta, de forma simples e romanceada, que ao longo de nossas vidas, nas diversas vivências diárias, vamos estabelecendo padrões (de comportamento, sentimento e pensamento). De acordo com cada situação, dadas nossas possibilidades ou limitações, agimos ou reagimos com relação ao meio em que nos encontramos, e pela repetição de ações/reações criamos uma espécie de resposta automática. Exemplo: Alguém lhe diz “bom dia”, e automaticamente você responde “bom dia”. Por que? Porque essa reposta, de tão repetida, tornou-se uma resposta automática, um padrão mental do tipo, “se acontecer A, então execute B”. Essa idéia não é nova, muitos pensadores anteriores já haviam falado dela, mesmo com palavras diferentes, mas Redfield teve o mérito de popular o conceito perante as massas.
Assim, vamos criando o que Redfield chama de couraça. Ou seja, uma vestimenta, ou um personagem, que usamos como interface para nos relacionar e comunicar com outras pessoas e o mundo ao nossa volta. Esse personagem é o resultado de nossas interações anteriores, e foi, e continua sendo, moldado pelas sircunstâncias e pelos padrões já interiorizados. É por causa dessa couraça que muitas pessoas vivem repetindo os mesmos erros, encontrando os mesmos problemas, se relacionando com o mesmo tipo de pessoas, etc. Diz um sábio que “se você quer resultados diferentes, tem que fazer as coisas de forma diferente; enquanto estiver fazendo do memso jeito, vai obter os mesmos resultados”. Esses padrões de comportamento/pensamento criam uma inércia, uma tendência natural a manter as mesmas respostas, que já foram aprendidas em situações anteriores. Este é o problema. Agora vamos buscar a solução.
Vamos verificar o que Castaneda, em seus diálogos e vivências com um xamã, tem a nos apresentar. Conta ele que Don Juam, o feiticeiro, ensinou-lhe uma técnica de não-fazer, como um caminho para alcançar o nagual, que aqui, para fins didáticos, vou considerar apenas como, aquilo que vai além da realidade comum, observada por nossos sentidos de percpção. Ao contrário do que se possa imaginar, não-fazer não significa não fazer nada, como nas brincadeiras de estátua de criança. Não-fazer aqui, significa não repetir os mesmos padrões, não usar as mesmas respostas. Dessa forma, no treinamento, o iniciante de feiticeiro é insentivado a fazer (agir e reagir) de forma diferente a que estava habituado. Essa prática tem como objetivo quebrar os padrões de ações, reações, pensamentos e sentimentos. Entende-se que, quando identificamos os padrões e aprendemos a não segui-los obrigatoriamente, aprendemos a ser nós mesmos, mais livres, e com mais possibilidades.
Voltando a Redfield, que usa técnica semelhante, mas com nome diferente, identificar os padrões é o primeiro passo para conseguir ir além deles. Para isso a prática da meditação pode ser de grande valia. Tanto Castaneda, como Redfield, ou Gurdfief e tantos outros pensadores, recomendam a mesma prática, que no final se resume a: observar atentamente. Essa prática também é conhecida, como Lucidez. A idéia central dessa prática é estar plenamente atento para perceber e identificar os padrões usados por nós. Uma vez conseguido isso podemos seguir o padrão ou elaborar uma nova resposta. Dessa forma deixamos de ser autômatos que respondem de forma programa e passamos a ser donos de nossas prórpias vidas. Uma vez que possamos reelaborar nossas respostas estamos libertos das correntes da personalidade e podemos finalmente trazer para nossa vida mudanças reais.
Agora, que temos melhor compreenção sobre nós mesmos, e já aprendemos a enchergar além de nossos próprios padrões, podemos voltar àquelas perguntas iniciais: “Quem está sentido isso, quem está desejando isso?” Talvez agora possamos perceber porque algumas coisas nos atraem, e outros nos repelem, porque algumas coisas nos agradam e outras não. Via de regra, e salvo diferenças fisiológicas inerentes a cada um, aquilo que nos agrada é o que está associado, a vivências agradáveis, e o que nos desagrada está associado a vivências desagráveis. Obviamente a coisa não é tão simples assim, mas vou limitar-me a esse enunciado para não estender cansativamente a explicação, mesmo correndo o risco de pecar na clareza. Dessa forma, quando dizemos “eu gosto”, na verdade queremos dizer “já passei por experiência semelhante a essa e ela me foi agradável”.
Então, respondendo à pergunta “Quemm gosta”: Ninguém gosta. Isso mesmo, porque gostar nada mais é do que uma resposta automática a uma dada situação, aprendida anteriormente, e reforçada posteriormente, repetidas vezes, em cada situação semelhante a que essa reposta é invocada.
Neste ponto é importante esclarecer onde ficam armazenadas essas respostas automáticas. Sem entrar em detalhes mais complicados vou dizer apenas que elas são guardas na mente, independente de onde a mente esteja. Importante também entender como essas respostas funcionam com relação a nossas escolhas do cotidiano. Alguns pensadores costumam afirmar que a mente humana (ou subconsciente) é burra, porque sempre aceita o que lhe é dito. Para entender como a mente funciona vamos estudar um pouco de probabilidades.
Imagine uma caixa que contenha 100 bolas, 50 delas são brancas e 50 delas são vermelhas. Dessa forma, ao colocar a mão dentro da caixa você terá 50% de chance de retirar uma bola branco, e 50% de retirar uma bola vermelha. Agora imagine que, a cada vez que você retira uma bola da caixa, você devolve essa bola duplicada, ou seja, se você tira uma bola vermelha, voltam para a caixa duas bolas vermelhas. Assim, na segunda vez que você retirar uma bola da caixa, haverá uma maior probabilidade de retirar uma bola vermelha, porque o número de bolas vermelhas é maior.
A mente humana funciona da mesma forma. Ela guarda nossos pensamentos, sentimentos, emoções, sensações, idéias, medos, alegrias, etc. A probabilidade de encontrarmos dentro dela um determinado elemento é diretamente proporcional ao número de ocorrências dele dentro de nossa mente. Cada vez que pensamos ou sentimos, esse pensamento ou sentimento é multiplicado, porque são geradas novas ocorrências na “biblioteca” da mente. Esse multiplicar de pensamentos na mente gera a inércia dos padrões mentais, de ação e reação, gostos e desgostos. Essa inércia é necessária, pois nos possibilita ter estabilidade, não fosse ela, seriamos, a cada dia, a cada momento, pessoas diferentes, com personalidades, gostos e intenções diferentes, o que tornaria a convivência entre pessoas algo caótico.
Entender que há essa inércia é importante para compreender-mos que, não é da noite para o dia que vamos mudá-la. A inércia tem conexão direta com o número de ocorrências de um dado pensamento ou idéia em nossa mente. Se queremos mudar a inércia, vamos ter que gerar outro pensamento, e repeti-lo diversas vezes. É assim que a mente funciona. A emoção, e sua intensidade, também está envolvida nesse processo.
Muito bem, mas o que meditação, religiões orientais e xamanismo têm a ver com isso?
A meditação, prática ostensiva na maioria das religiões orientais, e também no xamanismo, embora com outra denominação, como em diversas outras linhas, religiosas ou não, é a ferramenta que nos permite perceber essa inércia mental, que forma nossa personalidade, e define nossas ações e reações. E, uma vez percebida, nos dá a chance de transcender essa inércia e ultrapassá-la. Permite que não nos deixemos mais guiar por ela, que não permitamos que nosso passado defina nossas respostas e escolhas, que fiquemos aptos e elaborar respostas novas e originais.
Mas o que é o ego afinal?
Ego é, em falta de definição melhor, essa inércia de pensamentos e sentimentos, que é o resultado de uma rede de elementos armazenados na mente, construída por cada vivência ao longo da existência humana. Por isso, funciona de forma calculada e previsível, mas também muda constantemente, dependendo das experiências vividas e armazenadas, e por isso é impermanente e nunca a mesma ao longo dos anos. Como é produto das vivências, podemos dizer que ele é pó e ao pó voltará. O ego foi criado aqui, dentro do universo humano, e não tem existência real fora dele. Não é uma pessoa, mas sim, uma tendência de ser, de gostar, de querer, de pensar. Como não tem existência real, o ego inevitavelmente será extinto, quando da morte biológica.
Isso quer dizer que eu deixarei de existir?
Não exatamente. Há diferença entre ego e consciência. O ego é a tendência a ser, a consciência é o ser por excelência. Lembra daquela pergunta inicial “Quem está sentindo isso?”. Pois bem, o ego é quem está sentindo, a consciência (que alguns pensadores chamam de O Observador) é quem está perguntando. É por isso que, quando desencarnamos (ou morremos se preferir, se é que você leitor, acredita em vida após a morte), normalmente nos sentimos leves, libertos, com uma paz imensa. Isso ocorre porque, tudo aquilo que nos preocupava ou nos causava desconforto, ficou para traz, foi desintegrado com o ego.
Então toda a experiência que tive em vida foi em vão?
Nâo. Tudo aquilo que você aprendeu, todas as habilidades que você desenvolveu, foram passadas para a consciência, através de uma transferência por indução. Toda experiência, conhecimento e habilidade é aproveitada, somente “a tendência a…” é que deixa de existir.
E por fim, a meditação, e práticas assemelhadas, têm como objetivo conseguir a transcêndencia do ego, da “tendência a..”, ainda em vida, de forma consciente. Por isso alguns mestres, como Gurdjiev, falam que meditar é morrer. Obviamente, isso não é literal em termos biológicos. Morrer aqui refere-se a morte do ego, ou antes, à sua transcendência. Quer dizer que nós o vemos, o identificamos, e temos a possibilidade de controlá-lo ao invés de ser-mos controlados por ele.
E onde entra o apego em toda essa estória? O apego é característica do ego. O desapego, consciente e intencional, é a ferramenta usada para contrabalançar o apego do ego e evitar sua influência. Para alcançar-se o desapego recorre-se a prática constante da meditação e de ações afirmativas de não-apego. Budistas costumam fazer mandalas magníficas, verdadeiras obras de arte, feitas com areia. Algumas demoram semanas para serem concluídas e, depois de prontas, são desfeitas. Essa prática é usada para demonstrar e exercitar, a impermanência de todas as coisas e o desapego necessário para não sofrer por causa delas. Como esta há diversas outras práticas usadas com o fim de esquivar-se ao apego do ego. O problema crucial aqui é que, todas essas práticas são, em última instância, novos padrões de comportamento e pensamento, já que funcionam na mente, e portanto têm relação com o ego.
É aqui que fica o centro da questão. Para conseguir, de fato, livrar-se das rédeas do ego, é preciso tanscender também o desapego, enquanto hábito (ou vício, como diria Jung), enquanto “tendência a…”, “enquanto necessidade de…”. E é essa transcendência, talvez, que seja a parte mais difícil do processo de desenvolvimento pessoal. É algo sutil e controverso. Toda prática usada para transcender o ego é, por si só, uma prática do ego. Transcender o ego portanto, implica transcender todas as coisas relacionadas ao ego, inclusive a própria prática de transcender o ego. Parece contraditório?
No zen conta-se a seguinte estória: Havia em certo local um mestre, muito reconhecido por seus conhecimentos e habilidades. Um dia vieram a ele dois homens, pedindo ao mestre que os ensinasse a encontrar a iluminação. O mestre lhes disse: “Para iluminar-se é preciso peneirar o mar”. E continuou suas andanças. Conta-se que um dos homens foi para o ocidente, e virou um conferencista famoso, repassando para os ocidentais o (suposto) conhecimento quintessencial do mestre. O outro, continuou por muito tempo buscando a iluminação, seguindo o caminho que o mestre lhe havia dito, passando a água do mar por uma peneira, dia após dia. Um dia o mestre, passando por ali, perguntou-lhe: “O que está fazendo?” E o homem respondeu: “Estou fazendo o que o senhor disse, estou peneirando o mar”. Então o mestre pegou a paneira e jogou-a ao mar. Nesse momento o homem se iluminou.
Enquanto você estiver procurando a iluminação, não irá encontrá-la. Somente depois que parar de procura-la, mas sem desistir dela, é que ela surgira diante de seus olhos.
Zhannko Idhao Tsw
Curitiba, 21 de Maio de 2008.
Direitos autorais: Este texto pode ser copiado, por quaisquer meios e para qualquer fim, desde que citada a autoria.
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