Em 1976, os restos mumificados do faraó egípcio Ramsés, o Grande, foram exibidos no Museu da Humanidade, em Paris. Foi uma oportunidade única para os estudiosos de toda a Europa. Como as bandagens que envolviam a múmia precisavam ser substituídas, enviaram a botânicos pedaços do tecido para que fossem analisados.
A dra. Michele Lescott, do Museu de História Natural de Paris, teve a sorte de receber uma dessas pequenas amostras para estudo. Após minucioso exame, ela descobriu o que pareciam ser salpicos grudados às fibras do fragmento. Ao microscópio, eles tinham a aparência de tabaco. Ela fez várias experiências, sempre com o mesmo resultado. Disseram-lhe que a amostra de tecido devia ter sido contaminada por um trabalhador que pitava cachimbo. Entretanto, o tabaco não foi introduzido no Egito antes dos tempos modernos.
Mais de um século atrás, o rei da Bavária levou para um museu em Munique o sarcófago ornamentado – e sua múmia – de Henut Taui. (“Senhora das duas terras”: múmia feminina da 21a. dinastia, cujo sarcófago era decorado com figuras de Nut, rainha do céu. – N. da T.) Em 1992, pesquisadores deram início ao projeto de investigar seu conteúdo. Para as análises químicas, confiavam na dra. Svetla Balabanova, do Instituto de Medicina Forense de Ulm. Os resultados obtidos pelos testes que ela conduziu foram bastante desconcertantes. O corpo de Henut Taui continha grandes quantidades de cocaína e nicotina; mas, durante a Antiguidade, o tabaco só crescia nas Américas, e a coca, nos Andes bolivianos.
Como os primeiros cinco resultados positivos foram um choque, ela enviou amostras para outros três laboratórios. Mais uma vez, os resultados deram positivo e, então, ela os publicou. A reação dos acadêmicos foi feroz, como relata Balabanova:
Recebi uma pilha de cartas insultuosas, quase ameaçadoras, dizendo que eu estava fantasiando, que aquilo era uma bobagem impossível, porque já fora provado que antes de Colombo essas plantas não eram encontradas em nenhum lugar do mundo exceto as Américas.1
Contudo, os testes utilizados por Balabanova nos fios de cabelo são um método muito bem aceito para determinar o uso de drogas. Tem sido assim pelos últimos 25 anos. E não há chance de contaminação. Drogas e outras substâncias consumidas pelos seres humanos penetram nas proteínas do cabelo, onde ficam por meses, e permanecem mesmo depois da morte. Na verdade, podem permanecer ali para sempre.
Para certificar-se de que não há contaminação externa, a amostra de cabelo é lavada em álcool e, então, a própria solução usada na lavagem é testada. Se o teste da solução der negativo, mas o do cabelo der positivo, então, a droga deve estar dentro do fio de cabelo, o que significa que a pessoa consumiu droga em algum momento de sua vida. Os toxicólogos consideram a análise do cabelo uma maneira de descartar contaminação após a morte. Balabanova garante tanto seus métodos quanto os resultados obtidos:
Não há jeito de haver erros nesse tipo de teste. O método é amplamente aceito e já foi usado milhares de vezes. Se os resultados não forem genuínos, então a explicação deve estar em outra coisa qualquer, e não nos meus testes, pois tenho absoluta certeza acerca dos resultados.2
A flor de lótus poderia explicar esses resultados desconcertantes. Ele contém forte nicotina e era, de fato, usada, como mostram as inscrições no grande templo de Karnak. As inscrições mostram egípcios derramando flores de lótus numa taça, cujo conteúdo – provavelmente vinho – devia reagir com a planta e liberar, assim, a nicotina. Mas há um problema com essa solução. O nível de nicotina encontrado nas múmias era letal. Balabanova acredita que o tabaco devia ser usado no processo de mumificação. Altas doses de nicotina são bactericidas, e podiam ser usadas no processo de preservação. Será esse parte do bem guardado segredo da mumificação? Outra explicação poderia ser a de que existiam espécies de tabaco que hoje estão extintas. Os botânicos nos asseguram, porém, de que se outras antigas espécies de tabaco tivessem existido, eles saberiam.
Encontrar cocaína nesses antigos restos mortais é uma outra história, completamente diferente. De acordo com a dra. Sandy Knapp, do Museu de História Natural de Londres, encontrar cocaína em múmias egípcias é quase impossível.3 Foram realizados testes nas múmias para determinar se elas eram autênticas. Elas eram. Balabanova diz que se trata de um mistério, mas admite que seja concebível que a planta de coca fosse importada pelo Egito antes dos tempos de Colombo, a única alternativa para explicar os fatos. Poderia mesmo ter havido um comércio de drogas internacional na Antiguidade, com conexões até as Américas? Os egiptólogos, como John Baines, da Universidade de Oxford, acham essa ideia ridícula:
A ideia de que os egípcios viajassem para a América é totalmente absurda. Não conheço ninguém que exerça profissionalmente a função de egiptólogo, antropólogo ou arqueólogo que acredite seriamente em quaisquer dessas possibilidades, e também não conheço ninguém que perca tempo pesquisando nessas áreas, pois são encaradas como áreas sem significado real para a matéria.4
Mas, na verdade, há gente fazendo essa pesquisa: é o caso de Alice Kehoe, da Universidade Marquette, e de Martin Bernal, da Universidade Cornell, bem como de Robert Schoch, que apresentou sua teoria em “Voyages of the Pyramid Builders“. Kehoe acredita que há evidências tanto do contato transatlântico quanto do transpacífico entre os hemisférios oriental e ocidental, mas admite que alguns arqueólogos evitam discutir a questão. A batata-doce, afirma ela, prova isso, e há esculturas de deusas indianas segurando uma espiga de milho. Amendoins foram encontrados no oeste da China, e há outras descobertas que dão crédito a essa teoria. Bernal, professor emérito de história antiga do Mediterrâneo oriental, concorda, em teoria, e chama essas viagens às Américas de “esmagadoramente prováveis”.5
Essas opiniões são respaldadas, em parte, por ânforas romanas encontradas em 1975 em um porto brasileiro chamado Baía das Ânforas.* Alguns estudiosos sugerem que uma galera romana afundada poderia ser a origem delas, mas essa interpretação é contestada vigorosamente. Entretanto, no Brasil também há uma inscrição que aparenta ser de uma antiga linguagem mediterrânea.** E, no México, existem estatuetas de 3 mil anos de idade que ostentam barbas, uma característica desconhecida entre os nativos americanos, e também estátuas colossais que aparentam ser africanas. Esses itens foram apontados pelo autor de best-sellers Graham Hancock, em “Fingerprints ofthe Gods“.
O problema que se apresenta àqueles que compartilham tais teorias de viagens transatlânticas é a falta de artefatos para sustentá-las. Evidências físicas, tanto na África quanto na América, são difíceis de encontrar. Pode ser que os egípcios não fossem um povo de navegadores, mais pode ser também que outros povos o fossem. A questão, então, passa a ser: quem eram os viajantes transoceânicos? As opiniões se dividem. Alguns estão totalmente convencidos de que povos exploradores cruzaram os oceanos. Outros acham essa ideia absurda. Entretanto, a ciência tem um histórico de rotular teorias como absurdas e descobrir, um belo dia, que elas eram verdadeiras.
* Baía de Guanabara. Mais tarde, descobriu-se que um mergulhador italiano havia “plantado” as ânforas ali, e que elas eram, na verdade, do século XX. (N. da T.)
** Na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, há uma inscrição gravada na rocha, escrita supostamen-te em fenício, uma linguagem semita que os estudiosos só conhecem de inscrições. A transcrição da inscrição é “LAABHTEJBARRIZDABNAISINEOFRUZT”. Como o fenício, assim como o hebraico (linguagem existente mais próxima), é escrito da direita para a esquerda, pode-se ler “TZUR FOENISIAN BADZIR RAB JETHBAAL”, cuja tradução seria “Tiro, Fenícia, Badezir, primogénito de Jetbaal”. Badezir governou a Fenícia por volta de 850 AEC. A Fenícia ocupava a planície costeira do que é hoje o Líbano. (N. da T.)
Fonte: O Egito antes do Faraós, Edward F. Malkowski, Editora Cultrix, São Paulo-SP, 2010, pp.181-184.
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